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A SEGUNDA VIDA DO POVO BRASILEIRO

                Perdoe-me a generalização, mas a copa de futebol é a segunda vida do povo brasileiro. As ruas se vestem das cores da nossa ...

terça-feira, 8 de julho de 2014

O HÁBITO DE VENCER



"O desábito de vencer
não cria o calo da vitória;
não dá à vitória o fio cego
nem lhe cansa as molas nervosas".

João Cabral de Melo Neto



                   Os versos de João Cabral me trazem um desejo covarde. João Cabral era torcedor do América de Pernambuco, Mequinha. Esse time, detentor de seis títulos estaduais, completou um centenário apanas com essas glórias. Com o passar do tempo, o time foi perdendo campo, jogos, prestígios e torcedores. Se a seleção brasileira fosse um América, minhas coronárias estariam descansando. As molas nervosas estariam estáticas. Nenhum frenético movimento desafiaria a minha paz.  Covardia debalde!
                  O problema é que o Brasil não tem o hábito de perder. Nossa seleção nunca abriu mão dos louros da vitória. Sabemos que perder é se reconhecer incompleto. Sabemos que a derrota nos distancia da ambição cega, da presunção e da arrogância. E ainda dirão: quem perde, parece estar mais apto a reconhecer os erros e a valorizar os sonhos. Tudo isso não serve de consolo para um torcedor brasileiro.
               A nossa seleção é feita de vencedores e de torcedores que possuem molas nervosas bem cansadas. Hoje, não teremos Neymar, o nosso talismã, mas teremos um time de operários trabalhando pela vitória diante da Alemanha.  





sexta-feira, 4 de julho de 2014

A glória!

              Como é indescritível a alegria do nosso povo diante do futebol! Mais uma vez fomos mais felizes do que de costume. Percebo, durante as copas, que há algo de muito catártico nessa nossa apaixonante relação com o futebol. Purgamos nossos males assistindo ao jogo do nosso escrete. Nós nos sentimos tão heróis quanto os jogadores. São noventa minutos de uma espécie de hipinose e, quando vem a vitória, ficamos de alma lavada.  
             Hoje fomos combativos e Felipão parece ter despertado de um sono profundo que só convém mesmo a uma bela adormecida. O nosso ataque foi brilhante sem brilho. O brilho ficou por parte da nossa zaga. Sun Tzu diria que a invencibilidade reside na defesa; a possibilidade de vitória no ataque.  Então, hoje, os nossos leões indomáveis foram invencíveis e vitoriosos. "Defendemo-nos quando  nossa força é insuficiente", recorro a Tzu mais uma vez. Fomos insuficientes na frente.  Um ataque que fez do campo seu berço da esterilidade. O ataque do Brasil nos oprime. O ataque brasileiro não perdoa coronárias. Quando o moleque escorregadio não joga bem, o nosso ataque se cala. Trata-se de um silêncio esmagador que embarga a voz dos hipnotizados. Se o ataque não funciona, tornamo-nos silêncio apenas. 
                Mas a nossa tragédia é localizada. E a nossa zaga nos tem restituído a glória. 

A REDENÇÃO

                        O futebol é jogado com os pés, mas foram as mãos de Júlio César que nos salvaram. Nossos jogadores demonstraram a nossa incapacidade de vencer e deram a Julio Cesar tamanha missão de desfazer tal legado. Fomos falíveis, mas Júlio Cesar não. Quis o destino, se é que ele existe, fazer de Júlio César o nosso herói. Este imperador tupiniquim, há quatro anos, sofreu com a eliminação do Brasil na copa da África do Sul. 
                             Não cabia a Júlio César a responsabilidade por essa  derrota que foi de toda a seleção. Todos perdemos. Mas a roda da fortuna girou e Júlio lavou sua alma com o suor do seu ofício e da sua fé. O nosso número 12 teve pena das nossas fatídicas coronárias. Pobres coronárias!
                           Apresentamos um futebol apático contra o Chile. Um futebol sem encanto, um futebol nada brasileiro. Dizem que goleiro bom tem sorte e Julio teve. Ele defendeu duas bolas e a trave se encaminhou de adornar seu ato heroico.  Que tenhamos outros heróis nesta copa! As nossas coronárias agradecem!

Como posso, sem armas, revoltar-me?

                        "Como posso, sem armas, revoltar-me?" Esse verso de Drummond virou uma espécie de mantra para mim. Depois de assistir ao jogo do Brasil contra o Chile, o verso do poeta mineiro passou a ter vida própria  e ele acabou me servindo para  ilustrar bem o fatídico e previsível futebol brasileiro. 
                      Repetimos os mesmos erros. Não marcamos o inimigo no campo adversário, pouco ensaiamos o gol, ignoramos o meio-campo e quase fomos vítima da nossa teimosia. Não temos armas, leitores.
                                Felipão é um homem de fé. Ele acredita piamente que desarmados podemos vencer qualquer adversário. Já corremos riscos demais. O time do Chile colocou suas armas em campo e quase anestesiou o Brasil. Neymar pouco criou, logo o Brasil, tão dependente dele, fez o mesmo. Nosso futebol parece cansado. Este time carece de criação, de arte nos pés. De quando em quando, só Neymar assume esse papel. 
                            Nós temos armas. A Inglaterra criou o futebol, mas nós o evoluímos.  Nós fizemos o futebol ter mais encanto e sentido. Precisamos desafiar o medo. O medo existe para ser vencido. E essa vitória passa por reconhecer as nossas limitações que não são poucas. Reconhecer o erro é humano, Felipão. Que o nosso técnico escute esse mantra!

sábado, 28 de junho de 2014

NO BOTECO

- Nós só temos Neymar, retruca o velho de cabelos gris. Traz uma tequila, garçom!
- Nada disso. Temos Tiago Silva e David Luiz. Rebate um jovem. Garçom, um prato de Camarões.
- Futebol é coletivo. Não se pode deixar nos pés de um único jogador a causa do carnaval ou da quarta-feira de cinzas da seleção. Um petisco, garçom! Pode me trazer um chouriço.  
- Como? 
- Esse menino do Barcelona não aguenta a pressão de quase duzentos milhões de brasileiros. E não podemos culpá-lo! Hoje vou misturar tudo. Agora eu quero uma cerveja holandesa. 
- Temos Fred, Marcelo, Dani Alves... Um docinho croata, por favor!
- A copa de 70 é um bom exemplo de que o futebol é coletivo. Todos jogavam bem. Não havia parasitas naquela seleção. Joelho de porco, garçom!
- Temos Oscar...
-  Estou vendo que você vai listar até os reservas. 
- Hernanes, Fernandinho...
-   Pronto. Listou. 
- Estou vendo que o senhor só come coisa indigesta.
- O Brasil também, rapaz! O Brasil também. 


A SEGUNDA VIDA DO POVO BRASILEIRO

                Perdoe-me a generalização, mas a copa de futebol é a segunda vida do povo brasileiro. As ruas se vestem das cores da nossa bandeira, fogos de artifício com a voz da torcida compõem a trilha sonora . A seleção brasileira nos empurra para a carnavalização. Assumimos na cara e no corpo o espírito, a couraça de  mascotes, de heróis, de personagens lendários, de políticos, de jogadores, de técnicos. Assumimos outra vida. Quantos excluídos, marginalizados acabam assumindo papéis inversos dos que naturalmente exercem? As classes sociais se misturam. O futebol acaba unindo, congregando as diferenças num ato ecumênico. 
                   A nossa paixão pelo futebol muito se assemelha ao nosso carnaval. Tudo para. O silêncio principia o ritual. Não trabalhamos. Vestimos fantasias, alguns até fazem oração para o santo das causas impossíveis. Outros aderem à superstição. Amuletos da sorte se multiplicam. As casas, bares, ruas, estádios se enchem de alegria, espontaneidade e irreverência. Futebol é fuga. Futebol é o encontro com a vitória mesmo que essa nos pareça tão distante de nós. Eis um esporte coletivo que coletiviza. A miscigenação se evidencia quando assistimos ao Brasil jogar. 
                       A partida de futebol da seleção brasileira é um ritual identitário do nosso país, muitos buscam ansiosamente a vitória que ainda não tiveram em vida. A vitória dilata o nosso espírito. Ela nos redimensiona para além do sujeito. E quando conhecemos o gosto acre da derrota, chega a "quarta-feira ingrata". Mas o amanhã recompõe a vida e nos desloca da nossa anestesia nacionalista. Voltamos para o nosso cotidiano gestando a espera de uma nova copa, de uma ritualística apresentação da seleção.   
                        

quinta-feira, 26 de junho de 2014

GÊNIOS DA BOLA

                Em 1986, Carlos Drummond de Andrade temia que a genialidade de Maradona pudesse nos tirar o título da copa do mundo. O baixinho argentino foi a estrela daquela copa. Era um gênio que fazia o tapete verde flutuar. Mas sempre vi no jogador argentino  arrogância,  prepotência e  desiquilíbrio. Isso tudo criava em mim uma antipatia cultivada a cada jogo, mas, principalmente, quando Dieguito Maradona abria a boca. A copa agora é aqui no Brasil e  outro argentino nos atormenta.
             Lionel Messi é o nosso mais novo algoz. Diferente de Maradona, Messi parece equilibrado, humilde e, melhor, fala pouco. Eleito quatro vezes o melhor do mundo, Messi não precisa de marketing como "El loco Dieguito". Os números estão do seu lado. O jogador portenho já é artilheiro da copa ao lado do nosso Neymar. Desse argentino eu tenho medo. Tenho medo porque ele não precisa falar, porque ele salva a Argentina da falta de objetividade do ataque. Tenho medo porque ele livra sua frágil zaga de insultos. Tenho medo porque ele não precisa da malandragem, tenho medo porque ele não precisa do desequilíbrio e muito menos da "mãozinha de deus", usada por Maradona.
                   Messi nasceu com uma bola na ponta da chuteira. A nossa sorte é que isso não é privilégio só dele.  Neymar também faz o tapete verde flutuar.   Que a taça fique em bons pés!

por Eduardo Tavares