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A SEGUNDA VIDA DO POVO BRASILEIRO

                Perdoe-me a generalização, mas a copa de futebol é a segunda vida do povo brasileiro. As ruas se vestem das cores da nossa ...

sábado, 28 de junho de 2014

NO BOTECO

- Nós só temos Neymar, retruca o velho de cabelos gris. Traz uma tequila, garçom!
- Nada disso. Temos Tiago Silva e David Luiz. Rebate um jovem. Garçom, um prato de Camarões.
- Futebol é coletivo. Não se pode deixar nos pés de um único jogador a causa do carnaval ou da quarta-feira de cinzas da seleção. Um petisco, garçom! Pode me trazer um chouriço.  
- Como? 
- Esse menino do Barcelona não aguenta a pressão de quase duzentos milhões de brasileiros. E não podemos culpá-lo! Hoje vou misturar tudo. Agora eu quero uma cerveja holandesa. 
- Temos Fred, Marcelo, Dani Alves... Um docinho croata, por favor!
- A copa de 70 é um bom exemplo de que o futebol é coletivo. Todos jogavam bem. Não havia parasitas naquela seleção. Joelho de porco, garçom!
- Temos Oscar...
-  Estou vendo que você vai listar até os reservas. 
- Hernanes, Fernandinho...
-   Pronto. Listou. 
- Estou vendo que o senhor só come coisa indigesta.
- O Brasil também, rapaz! O Brasil também. 


A SEGUNDA VIDA DO POVO BRASILEIRO

                Perdoe-me a generalização, mas a copa de futebol é a segunda vida do povo brasileiro. As ruas se vestem das cores da nossa bandeira, fogos de artifício com a voz da torcida compõem a trilha sonora . A seleção brasileira nos empurra para a carnavalização. Assumimos na cara e no corpo o espírito, a couraça de  mascotes, de heróis, de personagens lendários, de políticos, de jogadores, de técnicos. Assumimos outra vida. Quantos excluídos, marginalizados acabam assumindo papéis inversos dos que naturalmente exercem? As classes sociais se misturam. O futebol acaba unindo, congregando as diferenças num ato ecumênico. 
                   A nossa paixão pelo futebol muito se assemelha ao nosso carnaval. Tudo para. O silêncio principia o ritual. Não trabalhamos. Vestimos fantasias, alguns até fazem oração para o santo das causas impossíveis. Outros aderem à superstição. Amuletos da sorte se multiplicam. As casas, bares, ruas, estádios se enchem de alegria, espontaneidade e irreverência. Futebol é fuga. Futebol é o encontro com a vitória mesmo que essa nos pareça tão distante de nós. Eis um esporte coletivo que coletiviza. A miscigenação se evidencia quando assistimos ao Brasil jogar. 
                       A partida de futebol da seleção brasileira é um ritual identitário do nosso país, muitos buscam ansiosamente a vitória que ainda não tiveram em vida. A vitória dilata o nosso espírito. Ela nos redimensiona para além do sujeito. E quando conhecemos o gosto acre da derrota, chega a "quarta-feira ingrata". Mas o amanhã recompõe a vida e nos desloca da nossa anestesia nacionalista. Voltamos para o nosso cotidiano gestando a espera de uma nova copa, de uma ritualística apresentação da seleção.   
                        

quinta-feira, 26 de junho de 2014

GÊNIOS DA BOLA

                Em 1986, Carlos Drummond de Andrade temia que a genialidade de Maradona pudesse nos tirar o título da copa do mundo. O baixinho argentino foi a estrela daquela copa. Era um gênio que fazia o tapete verde flutuar. Mas sempre vi no jogador argentino  arrogância,  prepotência e  desiquilíbrio. Isso tudo criava em mim uma antipatia cultivada a cada jogo, mas, principalmente, quando Dieguito Maradona abria a boca. A copa agora é aqui no Brasil e  outro argentino nos atormenta.
             Lionel Messi é o nosso mais novo algoz. Diferente de Maradona, Messi parece equilibrado, humilde e, melhor, fala pouco. Eleito quatro vezes o melhor do mundo, Messi não precisa de marketing como "El loco Dieguito". Os números estão do seu lado. O jogador portenho já é artilheiro da copa ao lado do nosso Neymar. Desse argentino eu tenho medo. Tenho medo porque ele não precisa falar, porque ele salva a Argentina da falta de objetividade do ataque. Tenho medo porque ele livra sua frágil zaga de insultos. Tenho medo porque ele não precisa da malandragem, tenho medo porque ele não precisa do desequilíbrio e muito menos da "mãozinha de deus", usada por Maradona.
                   Messi nasceu com uma bola na ponta da chuteira. A nossa sorte é que isso não é privilégio só dele.  Neymar também faz o tapete verde flutuar.   Que a taça fique em bons pés!

por Eduardo Tavares

A SOLIDÃO BATE À SUA PORTA


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 A copa aglutina línguas, crenças e raças. E, durante a copa, é justamente num estádio de futebol onde a cidade parece ser mais cosmopolita. Então como pensar em solidão num estádio de futebol? Parece inimaginável. Mas ela está lá. A solidão se revela diante das massas. Ela se revela num torcedor cercado pela torcida adversária ou diante de caras estranhas. A solidão pode estar dentro e fora do campo.
A solidão pode estar num homem que, alheio à copa, caminha livremente pelas ruas em dia de jogo da seleção brasileira. A solidão pode se aninhar àquele vigilante que escuta o jogo do Brasil pelo rádio. Ainda vejo a solidão no jovem que protesta contra o seu governo corrupto. A solidão pode estar encarnada no torcedor de Camarões que assiste à triste derrota de sua seleção contra o Brasil. A solidão pode estar no atacante que anseia pela bola do meio campista.

Mas vejo a solidão maior no olhar de Casillas, goleiro da seleção espanhola.  A goleada da Espanha  para a Holanda  fez de Casillas, para muitos, um antagonista da partida. É bem verdade que Casillas falhou. Porém o que mais me chamou atenção foi o seu olhar desolador entre os zagueiros que ficaram atônitos diante do mergulho de Van Persie,  e da artilharia de Roben, o atirador de elite. Não parecia haver zagueiros o acompanhando. Ele parecia estar só e, agora, diante da improvável e desconhecida derrota. A derrota é irmã da morte, o goleiro espanhol sabe disso. E a morte é uma experiência muito pessoal.  A seleção espanhola já arrumou a sua solidão e partiu.  O goleiro russo, assim como Casillas, também comoveu torcedores quando levou as mãos ao rosto depois que sofreu um gol da Coreia do Sul. Há ainda o goleiro da seleção portuguesa que chorou por sentir dores nas costas e não poder continuar na última partida de seu país. Nesta copa, a solidão parece ter batido mais à porta de cada goleiro, tipo de atleta detentor, injustamente, de momentos inglórios.  

quinta-feira, 12 de junho de 2014

DAI A CÉSAR O QUE É DE CÉSAR!

             Está no meu D.N.A. o espírito guerreiro e festivo. Isso data da época de Pindorama. Apesar de um tempo tão remoto, são essas identidades do povo tupinambá que ainda ressoam nos nossos dias. Os tupinambás eram por natureza ritualísticos. Essa nação indígena era antropofágica. A nação acreditava que ao comer o inimigo poderia ter a força do guerreiro dentro de cada tupinambá. Mas antes de ir para o fogo, o inimigo capturado ainda sentiria prazer em vários ritos que iam do sexo ao consumo do cauim, bebida alucinógena. Claro que a pureza dessa raça sofreu um fusionismo com outras raças. Os negros também reinventaram o Brasil. Trouxeram das senzalas o grito de liberdade. Lutaram pela vida, celebraram a vida  nos tambores que desafiavam a dor e a opressão de cada César. 
               Hoje, junto-me às raças, que geraram o nosso Brasil, para celebrar a vida. A alegria do nosso povo tem origem e que nunca tenha prazo de validade. É verdade que ainda há César sugando o nosso sangue, entristecendo a nossa alegria. Mas somos muitos. E ele (ou eles) tem prazo de validade e somos nós que determinamos isso. A copa do Brasil expõe os nossos césares. Há uma lista indigesta de promessas não cumpridas. E isso se espalha nas ruas, na imobilidade da cidade, nas feridas sociais expostas. Porém devemos colocar cada coisa no seu lugar. Hoje, não vou romper com o meu ontem. Vestirei minha alegria de verde e de amarelo. Como um admirador do futebol brasileiro, assistirei a mais um jogo do Brasil. Mas também não romperei com o meu ontem quando chegar a hora de usar a minha flecha, o meu voto. Darei a César o que a ele pertence. E para a seleção brasileira, eu darei a minha alegria que não é só minha, mas de todo povo tupinambá. 





segunda-feira, 9 de junho de 2014

Um selfie do Brasil!

                      
             A copa de 2014, inevitavelmente, nos desnudará diante do resto do mundo. São mais de setecentos jogadores participando do maior evento de futebol do planeta e mais de duzentos países irão transmitir "a copa das copas". Visões que se multiplicarão acerca do Brasil.  Estaremos quase nus diante de tantas íris. As lentes de aumento revelarão as várias faces do nosso país. Podemos ser muito mais do que o país do futebol e do carnaval. Talvez possamos ir além dos nossos esteriótipos, mas a tarefa não será fácil.
               Nossa casa está desarrumada. Isso é fato. Talvez a desarrumação do Brasil seja um legado dos nossos colonizadores quando trouxeram os degredados para Pindorama. Mas o país cresceu e é bem adulto. Deveríamos ter aprendido com os nossos exemplos e com os dos outros. A nossa copa fará, para os visitantes, um raio X diminuto do que somos.  Precisamos mostrar para eles que o Brasil não é só um lugar que abriga lobos com vestimenta de cordeiro. Nossa terra tem mais que corruptos, carnaval e futebol. A nossa miscigenação gerou valores que podem ser reconhecidos como identidades do nosso Brasil. O nosso futebol é reflexo dessa adorável mistura. Eu mesmo já reconheci num voleio de Bebeto, jogador campeão da copa de 1994, o desenho da capoeira. Já reconheci samba nos pés frenéticos de Neymar, nossa promessa para esta copa. 
                Claro que um selfie do nosso país pode expor nossas obras inacabadas, nossas feridas sociais e, principalmente, o nosso jeitinho brasileiro. Mas também pode revelar um povo aguerrido, inteligente, receptivo, criativo. Se acionarmos o zoom, veremos que historicamente o Brasil é detentor do futebol arte. Se enquadrarmos melhor a nossa foto, veremos que , para os brasileiros, o futebol é mantenedor da esperança. Quantos meninos de pés rachados, sujos de barro, de lama não superaram a miséria de cada dia e a de outros? Futebol é entretenimento e oportunidade. É hora de separar o joio do trigo e torcer por um Brasil maior dentro e fora do campo.